Quantas ditaduras há no Oriente Médio? Quantos governos absolutistas lá existem, onde as liberdades dos cidadãos são mínimas, onde as minorias são esmagadas, onde os direitos das mulheres são praticamente nulos? A Arábia Saudita é um governo desse tipo. Carrega todos os defeitos condenados por qualquer sociedade razoavelmente democrática. Os Emirados Árabes Unidos, Catar, Bahrein, Kuwait, Omã e outros, todos monarquias absolutistas, que não admitem oposição, encarceram e torturam seus contrários quando não os matam, reprimem minorias étnicas e pouco se alcançou nesses países no que concerne aos direitos femininos.
Estão aí, nesse cenário, razões mais do que suficientes para que os Estados Unidos e os países europeus tentem derrubar esses governos, dando suporte midiático aos opositores, alugando um canal de TV forte, com penetração em toda a região, assim como a Al-Jazeera e outras fazem contra a Síria. Além disso, armas pesadas seriam contrabandeadas através dos vizinhos desses países, assim como é feito contra a Síria.
Mas a questão na Síria não é apoio à democracia. Não é porque se quer implantar um regime democrático na Síria que se fornece armamento de todos os calibres a uma “oposição” composta por mercenários vindos da Líbia, Egito, Líbano, Tunísia e países do Golfo. Ah, sim, é claro que há sírios no meio.
E quem financia tudo isso? Catar e Arábia Saudita respaldados pelos Estados Unidos, União européia e – não se surpreendam – Israel! E quem executa os atentados com carros bombas contra o povo sírio? Também lhes peço que não se surpreendam. Al Qaeda! Sim, Al-Qaeda que se uniu nessa macabra e diabólica aliança com Estados Unidos, Europeus, árabes reacionários do Golfo e Israel. E é ela, Al- Qaeda, que tem a função de recrutar os mercenários.
Se formos comparar a Síria com os países que citei acima, constataremos o seguinte:
A Síria tem um dos menores índices de analfabetismo do Oriente Médio, as mulheres constituem 50% do corpo discente nas suas universidades, há um grande número de mulheres no congresso recém eleito. O pobre sírio não chega ao nível de miserabilidade que há em outros países e come três refeições por dia, o cidadão sírio tem direito à saúde e hospitalização gratuita, o jovem sírio tem a sua educação, desde a escola elementar até a sua formatura na faculdade, por um valor ínfimo que equivale a menos de um ano em uma universidade dos países vizinhos. Em termos de economia a Síria tem 0% de dívida externa e o imposto que o cidadão paga equivale a 5% de seu rendimento. A Síria conseguiu mudar de uma economia socialista para uma economia de mercado aberto sem que isso afetasse o custo de vida de seu cidadão.
Na Síria – e só na Síria – vivem mais de um milhão de refugiados palestinos com todos os direitos de qualquer cidadão sírio. Durante a invasão Americana ao Iraque a Síria hospedou dois milhões de refugiados iraquianos e não os alojou em tendas, mas em casas de famílias.
Na Síria – e só na Síria – você entra em um restaurante e encontra o presidente Bashar Al Assad jantando com sua família. Você senta à mesa ao lado e bate um bom papo com ele, como se estivesse conversando com um conhecido amigo. Poderá haver troca de gentilezas entre você e ele: ele paga a sua janta ou você paga a dele, sem nenhum constrangimento.
Na Síria – e só na Síria – você ouve alguém se identificar da seguinte forma: “sou xiita, minha esposa é alauíta, minha mãe é sunita, a esposa do meu irmão é cristã, o marido da minha tia é curdo e….”
Mas então por que exatamente a Síria é o alvo dessas forças perversas? Bem, comecemos com o interesse geopolítico dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Ali, no Oriente Médio, está o petróleo que é o sangue que corre nas veias da economia mundial e ocidental,em particular. Um dos guardiões desse petróleo para o Ocidente chama-se Israel, a maior base militar americana do mundo. Aliás, a existência de Israel deve-se, em grande parte, à existência do petróleo na região. Ou vocês acham, ingenuamente, que se o Oriente Médio não tivesse petróleo Israel estaria ali?
Para os países do golfo, a Síria é uma ameaça ao status quo deles. Uma eventual vitória da Síria, juntamente com seus aliados, contra Israel, representaria o fim dessas monarquias corruptas e apodrecidas. Portanto, Israel representa a segurança deles também.
Portanto, o “pecado” da Síria é fazer parte do eixo de resistência à presença do estado sionista, apoiar a resistência palestina em todos os aspectos e dizer um enfático não ao projeto americano-israelense de um “Um Novo Oriente Médio”, como o chamava Condoleezza Rice, secretária de estado do governo Bush, mentora do projeto. Esse “Um Novo Oriente Médio” trazia em seu seio invasões e guerras civis nos países árabes e a subsequente divisão deles em paísecos subservientes à política americana e todos eles reconhecendo Israel.
O eixo em questão, ou “A Frente de Resistência” como se autointitulam os componentes dessa coligação são os grupos de resistência palestina, o Hezbollah, a Síria e o Irã, que está se tornando uma formidável potência bélica. O Irã é a principal ameaça a Israel e está fornecendo armas ao Hezbollah e à resistência palestina na Faixa de Gaza. Pois aí está o cerne da questão! Como destruir essa corrente?
Os sionistas de Israel reconhecem que tiveram duas derrotas contra o Hezbollah: em 2000 e 2006. Tanto é que várias cabeças rolaram em Israel após os conflitos de 2006. A ideia de Israel, dos Estados Unidos e das forças conservadoras dos países árabes, era acabar com o Hezbollah ou na pior das hipóteses empurrá-lo para trás do Rio Litani, de forma que não viesse a representar mais perigo para o estado sionista. Depois de trinta e poucos dias de guerra, centenas de soldados israelenses mortos e incontáveis tanques Merkava destruídos, Israel não conseguiu eliminar o Hezbollah, nem sequer empurrá-lo 40 quilômetrospara trás. Mal entraram algumas centenas de metros dentro do território libanês e tiveram que bater em retirada. Ah, sim praticamente destruíram o Líbano com sua poderosa força aérea. É verdade.
Mas o resultado disso tudo é que o Hezbollah ainda está lá, mais forte do que antes, com foguetes de longo alcance e de aguda precisão, a ameaçar bombardear Tel Aviv se os israelenses bombardearem Beirute. Olho por olho, dente por dente!
O Hamas, em Gaza, também está representando uma força de combate razoável no chão. É claro que os caças e os helicópteros israelenses destruíram a Faixa de Gaza, mas não conseguiram acabar com o Hamas que ainda está lá, mais forte do que antes e com foguetes de médio alcance vindos do Irã.
Portanto, o negócio é cortar a corrente, extinguindo o regime da Síria. Daí não tem mais armas para o Hezbollah e nem para os palestinos. Cai o Bashar e entra um governo servil, cuja primeira atitude seria assinar um tratado de paz com Israel, cortar relações com o Irã, com o Hezbollah e com a resistência palestina. Isso dito pelo líder desse grupo armado que anda fazendo estragos na Síria, o tal de Burhan Ghaliun, que ninguém sabe de onde surgiu.
Síntese de toda a conversa, se a Síria cai, haverá uma grande festa em Washington e outra mais discreta na Europa; danças, bebedeira e fogos de artifício nas ruas de Tel Aviv; uma festança com bebedeira, mulheres de programa russas e tudo o mais em Riad, capital da Arábia Saudita e Doha, capital do Catar. Ah, eles não bebem e nem fornicam por serem muçulmanos? Não sejamos ingênuos!
Se a Síria cai, os maiores perdedores de todos serão os palestinos. Perderão seu direito ao retorno às suas antigas cidades e aldeias antes de 1948, não terão mais um país independente e viverão em cantões isolados, cercados por forças israelenses por todos os lados. Al-Quds (Jerusalém) como capital? Nem em sonho. Tampouco servirão os palestinos como um exemplo a ser seguido pelos povos desses países conservadores para uma mudança radical, destruindo os tronos de seus monarcas vendilhões. A “Frente de Resistência” derrotada, significa mais cem anos nos tronos para esses monarcas. Bom para os Estados Unidos e europa Ocidental e bom para Israel.
Se a Síria cai, podemos pegar a questão palestina e jogá-la no lixo da História! E o sangue de todos os mártires derramado durante todas essas décadas no enfrentamento à ocupação israelense terá sido em vão. Derramado de graça.
Gilberto Abrão